top of page

POR ANA SZEZECINSKI

CABEÇA COLORIDA

   Gosto muito de pintar, quase tanto quanto gosto de mudar. Um dos privilégios deste século é a maravilhosa variedade de tinturas que lojas de cabelereiros oferecem. A cada mês, posso mudar de visual. O mais divertido é quando pergunto às pessoas ao meu redor qual deveria ser a próxima mudança: as respostas variam de “corte bem curtinho” e “faz que nem daquela atriz que apareceu em tal filme”.

   O fascinante das opiniões proferidas é a origem delas. Como sobre qualquer assunto, variam conforme a experiência e vivência de cada sujeito – e, obviamente, o que consideram belo. É um tanto inusitado imaginar uma senhora, chamada Sueli, recomendando que eu pinte meu cabelo de verde, mas é bem possível imaginar uma jovem de 17 anos pedindo para que eu experimente raspar do lado.

   A cada ano, as sugestões têm aumentado e diversificado. As opções disponíveis aumentaram, também. Acho que é a noção de liberdade que as mulheres estão experimentando – ao menos o clamor por ela. Os diversos movimentos e manifestações culturais, impulsionadas pelas redes sociais influenciam na escolha estética. A liberdade que tenho hoje para escolher com que visual fico melhor é diferente da que minha mãe teve nos anos 1980; e se reflete no meu jeito de encarar as coisas.

   Sou latina, sou brasileira. Não sou a única jovem a perceber essa mudança, tampouco a notar o desejo pela aceitação de diferentes tipos de beleza. Em terra latina, está sendo exigida a liberdade de expressão estética. Ora, se a estética é um jeito de se comunicar e não existe democracia sem comunicação, o Brasil está exigindo uma miscelânea de cores para ser pintado. O Brasil está clamando um discurso de liberdade de expressão.

Passamos anos sem poder falar o que pensamos. Anos em que não podíamos sair de casa depois de certo horário. Anos em que a informação era privada do público, em que a educação sofreu uma reforma tão drástica que se manifestar pacificamente se tornou sinônimo de vandalismo. Esses anos deseducaram as pessoas. Criaram crianças e jovens que não tinham mais tempo de discutir filosofia, sociologia e história. Nestes anos em que a comunicação era censurada, a noção de convivência com a opinião alheia foi prejudicada. Aqueles foram Anos de Chumbo.

   Um país tão colorido, com uma história tão rica de mudanças e transições, foi calado. Por vezes, sua história é esquecida ou suas crianças nem prestam atenção. No entanto, mais do que nunca, o preconceito tem sido contestado. A informação é acessível e quase impossível de ser escondida. A nossa noção de liberdade mudou, mas estamos engatinhando em respeito à liberdade do próximo.

   Num discurso um tanto utópico e talvez metafórico demais, gosto de imaginar essas mudanças como alguém que está “encontrando a cor ideal”. Não precisa ser só cores normais, nem uma é “mais correta que a outra”. Todas são diferentes – e aí que está a beleza de viver em um país tão colorido naturalmente. Poder se manifestar sobre qual ficará melhor, é belo.  Escutar histórias e opiniões diferentes, auxiliam na escolha da maneira correta de agir. Ainda que por vezes falha, tentamos ouvir, não só escutar. Mas também não basta só falar, é preciso agir. Se quero que minha pátria seja mais gentil, devo dar o primeiro passo. Acredito que um dia conseguiremos viver felizes, com várias cores na cabeça.

OUTRAS CRÔNICAS
Cabeça Colorida
A semana e suas drogas
bottom of page