Brasileiros estão vivendo em “desertos de notícias”
Mais da metade dos municípios brasileiros, onde 40 milhões de pessoas vivem, não tem cobertura jornalística local. Isso equivale a um em cada cinco pessoas no país todo. Estes lugares são chamados de “deserto de notícias”, onde não há jornais e sites de notícias nem emissoras de TV e rádio locais, e seus moradores não têm acesso a informações de sua cidade.
O Atlas da Notícia mapeou, ao longo do ano passado, 11.820 veículos, entre jornais impressos, sites de notícias, emissoras de rádio e emissoras de TV, presentes em 2.691 municípios. A média é de 4,4 veículos em cada cidade que conta com estes meios de comunicação, mas outros 2.879 municípios não têm nenhum veículo jornalístico ou emissora de radiodifusão.
O Atlas contou com a colaboração do público, convidando-os a enviar nomes de veículos que conheciam em cidades de pequeno e médio porte pelo país. Pela Lei de Acesso à Informação, também realizou consultas a entidades, como a Associação Nacional de Jornais (ANJ), e coletou dados da Secretaria de Comunicação Social (Secom) da Presidência da República.
Segundo o site, o Brasil tem 3.367 jornais impressos e 1.985 sites de notícias espalhados por 1.125 municípios, onde vivem 65% da população brasileira. As emissoras de radiodifusão cobrem um terreno maior: são 6.480 (3.753 de rádio e 2.727 de televisão) em 2.520 municípios, cobrindo 75% da população.
Os dados sobre as emissoras de radiodifusão foram levantados junto ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), que regula o setor no Brasil, uma vez que as licenças de radiodifusão são uma concessão pública. Já a Secom trouxe informações sobre os jornais impressos e sites de notícias regionais e locais entre 2003 e 2016, que “serviu como uma espécie de censo”, segundo a presidente do Projor, Angela Pimenta.
Esse levantamento cruzou as informações sobre a presença de veículos de mídia com dados do Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil, cujo Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) mede a qualidade de vida nos municípios com base em dados sobre expectativa de vida, alfabetização e renda da população. Foi constatado que os municípios com presença de jornais e sites de notícias têm IDHM médio de 0,727, enquanto os que têm presença de rádio e TV têm IDHM médio de 0,683. Em comparação, o IDHM médio dos municípios brasileiros é de 0,659.
Sérgio Spagnuolo, editor do Volt Data Lab, afirma que a ideia com a comparação foi entender como o jornalismo local afeta a qualidade de vida da população, mas ela deve ser analisada desde uma perspectiva de correlação, não causalidade.
“Não é porque a cidade tem mais jornal que ela é mais rica ou mais educada, e não é porque a cidade é mais rica e mais educada que ela tem jornal. Não provamos isso. Mostramos que as cidades mais ricas e mais educadas têm mais jornal, mas não sabemos ainda por que isso acontece. Esperamos que eventualmente nossa pesquisa subsidie alguém a buscar essa resposta”, disse ao Centro Knight.
Ele apontou que os “desertos de notícias” se encontram principalmente onde há cidades pequenas – com média de 13 mil habitantes por município sem cobertura local.
Mesmo que as cidades próximas tenham um veículo e acesso à internet, “essas pessoas não estão sendo atendidas”, disse Spagnuolo. Um jornal de uma cidade não vai buscar informações sobre uma cidade vizinha, observou. “Isso é problemático para a democracia em geral. Como as pessoas vão se informar nesses lugares? A cada cidade de 8, 10 mil pessoas, chega-se ao volume de 40 milhões de pessoas que não têm acesso a notícias da própria cidade”, afirmou.
O projeto Atlas da Notícia foi lançado em 2017 pelo Projor (Instituto para o Desenvolvimento do Jornalismo) em parceria com a agência de jornalismo de dados Volt Data Lab e conta com um financiamento do Facebook. Para o próximo ano, o projeto prevê criar uma rede de pesquisadores para aprofundar o escopo do levantamento, além de uma série de reportagens que vai explorar os desafios do jornalismo local nas cinco regiões brasileiras.