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Livro de jornalista retrata história de prisões e mortes de índios na ditadura militar

Índio bom é aquele que não incomoda. Essa foi a principal diretriz de sucessivos governos brasileiros, antes e depois do regime militar, nos últimos 60 anos, a se julgar por milhares de documentos e depoimentos acumulados nesse período. O doloroso resultado dessa política é o tema central de Os Fuzis e as Flechas, livro lançado recentemente pelo jornalista Rubens Valente. Foram 26 anos de pesquisas, condensadas em 518 páginas, que relatam uma rotina de transferências forçadas, prisões e mortandade indígena, praticadas com conhecimento e até orientação oficial.

"A retirada desses grupos étnicos, quando surgisse algum empecilho ou eventual transtorno para determinada região, era uma política do Estado. Foi assim com a Transamazônica (rodovia que corta o Brasil de leste a oeste, na Amazônia), com a Belém-Brasília, com as usinas como Tucuruí. Povos inteiros foram removidos para essas grandes obras", resume Valente, que é repórter do jornal Folha de S.Paulo e hoje vive em Brasília.


Para grande parte dos nativos, as remoções significavam morte. Isso porque gripe, tuberculose, conjuntivite e outras infecções grassavam entre eles, despidos de imunidade contra doenças comuns aos brancos. Diante da necessidade de cortar a selva com uma estrada, sobretudo na Amazônia, os militares não hesitavam em determinar marchas forçadas dos nativos, dezenas de dias mato adentro. Eram caminhadas nas quais escasseava a comida e esvaía-se a saúde.

Valente convive desde criança com índios. Com a infância no Mato Grosso do Sul, morava ao lado de uma aldeia guarani-kaiowá. A miséria dos indígenas transformados em pedintes sempre o chocou. Daí a decisão de pesquisar sobre o tema e realizar entrevistas, nos intervalos entre uma e outra cobertura política do país.


O subtítulo do livro mostra o ponto em que o autor decidiu focar: História de Sangue e Resistência Indígena na Ditadura. Seria difícil tentar resumir os 500 anos de dizimação da população ameríndia numa única obra. O jornalista optou, então, por relatar o que ocorreu com centenas de tribos no período que vai do início dos anos 1960 a meados dos 1980.


Entre os pontos pouco conhecidos da história, resgatados por Valente, estão as prisões e as milícias indígenas. Sim, havia cadeias apenas para índios, criadas em regiões com densa população nativa. Castigos físicos e humilhações eram rotina nesses lugares, como detalha o texto do livro. Era comum que guaranis e caingangues, inclusive no Rio Grande do Sul, ficassem amarrados ou até acorrentados em cárceres, sob a vigilância de servidores e policiais de origem indígena ou brancos.


Havia uma milícia chamada Guarda Rural Indígena, formada exclusivamente por índios, para lidar com outros índios. Tinha formação militar, uniforme e, como comprovam fotos obtidas por Valente, também aplicava torturas aos presos. Tudo no espírito da ditadura militar.


A meta oficial do regime militar, inspirada em Cândido Rondon, o primeiro a montar no Brasil uma política de preservação das etnias indígenas, era integrar os índios – o lema de campanhas era Integrar para Não Entregar, numa referência à imensidão verde cobiçada por estrangeiros. Só que distância entre o discurso e a prática era grande. Não houve respeito pela vontade de algumas etnias em permanecerem isoladas.


O conflito entre os ideais e o pragmatismo ficava mais agudo à medida que hidrelétricas e rodovias avançavam pela mata. Conforme Valente, os índios eram tratados como objetos que poderiam ser transferidos a qualquer momento. Retiravam-se grupos inteiros de um local, sem contato prévio com eles. A Funai tentava, mas nem sempre conseguia convencer os índios a sair, inclusive pelas dificuldades de comunicação.


Em muitos casos, os índios resistiram ao avanço da civilização urbana, e o resultado foram alguns massacres notórios. Entre as vítimas dessa guerra não estão apenas os indígenas, mas também padres, missionários, peões de obras e servidores governamentais.


Os índios foram os mais atingidos. Entretanto, suas populações aumentaram nas últimas décadas: o censo de 1957 apontava a existência de 70 mil indígenas no país, número que passou para cerca de 400 mil nos anos 2000. Só que, consequência do desequilíbrio e da falta de uma política mais consistente de preservação, dezenas de idiomas morreram e tribos inteiras foram incorporadas à força ao modo de vida branco, deixando seus costumes e culturas para trás. O resultado, como se pode ver nas estradas brasileiras, é a miséria. Uma história resgatada com toda sua crueza no imprescindível livro de Rubens Valente.


Fonte: Coletiva.net

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